sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A Pedra e a Árvore



Num reino não muito longe, houve um acontecimento que chamou a atenção de toda a população local, envolvendo dois cidadãos do reinado, a Pedra e a Árvore.
Certo dia a Pedra decidiu que não queria mais ser pedra, ela não nasceu para ser pedra. Desde muito tempo a Pedra nutria uma vontade imensa de ser árvore e sozinha sonhava com o dia da sua transformação. 

Em outro canto da cidade, existia a Árvore. Crescendo vigorosamente com suas folhas e galhos e todos comentavam sobre os belos frutos que certamente sairiam dela. Mas Árvore queria ser pedra, não nasceu pra ser árvore e sozinha sonhava com o dia da sua transformação.

Um dia a Pedra e a Árvore se conheceram, souberam dos desejos em comum, e resolveram se juntar em busca da realização desses desejos. Logo clamaram que precisavam de ajuda, precisavam ser vistas e atendidas de qualquer jeito. Aos prantos declararam que eram só elas duas frente a uma multidão e queriam ter voz ativa, queriam ter direitos. Logo um grupo de legisladores preocupados e “sensíveis à causa”, resolveram apoiar a Pedra e a Árvore. Então surgiram debates, passeatas, movimentos, ONGs, projetos de leis, tudo para tornar possível o sonho da Pedra e da Árvore.

Num belo dia foi anunciado que elas teriam seus desejos atendidos, poderiam buscar as transformações tão sonhadas. E o Rei pagaria todos os custos.

A Pedra, logo chamou os mais renomados profissionais e começou a transformação.
Foi revestida com uma casca sintética de árvore, implantaram-lhe galhos, folhas e ela mudou de identidade. Chamava-se agora, Senhorita Verdinha.

E a Árvore? Ah, ela cuidou em fazer o mesmo. Pediu que lhe arrancassem os galhos, folhas, revestiram-lhe com concreto e recebeu uma bela pintura marrom-montanha. Mudou o nome para Rochedão.

Quanta felicidade. Não cabiam em si. Tantas festas, entrevistas, Reality Shows... Mas no final da noite, ao clarear de um novo dia, quando tudo acabava. Elas sentiam que algo ainda lhes faltava. Apesar de todos os desejos atendidos, continuava um vazio e essa sensação de vazio só aumentava... Nada curava esse sentimento. Um dia Rochedão e Senhorita Verdinha estavam observando outras pedras e árvores felizes seguindo seus caminhos. Ficaram então a se perguntar por que também não podiam se sentir assim... Tão felizes.

Pobre Senhorita Verdinha, embora tua casca sintética te dê uma aparência e até mesmo textura de uma árvore...Não passa de uma casca, sintética, artificial, implantada. Embora teus galhos exuberantes e tão lindas folhas, colocadas com tanto cuidado e estética... E às vezes até balancem com o vento... Senhorita... tu não sentes o vento! Tuas folhas não são capazes de captar e transferir essa sensação. Te jogas tanto ao vento que sentes o desgaste e nunca o frescor. Embora tão... árvore... Nunca será uma macieira, nunca terá o cheiro de um cajueiro, de uma mangueira, nunca entregarás tão doces frutos. Quem te olha e admira essa aparência de árvore, tão habilmente desenhada, sabe, contudo, que és Pedra.

Que fizeste Rochedão? Cortou galhos, eliminou folhas. Revestindo-se com cimento... E essa cor? Essa textura? Tudo artificial! Embora penses ser e queiras ser pedra, não pôde cortar tuas raízes senão morrerias.
Teu tronco, que antes crescia tão exuberante, agora jaz sufocado. E mesmo recoberto de concreto, não serves como um pilar, pois dentro és madeira e como tal estás a apodrecer.

Pedra, sendo pedra, poderias ser a pedra angular de um templo, uma faculdade, uma grande instituição. Poderias fazer parte de um grande monumento, tal como semelhantes teus, que unidos, formaram pirâmides, resistentes ao tempo, quase eternas. Mas, quiseste para ti outro destino e agora, és apenas um adorno, algo que um dia foi diferente, sem trazer diferença alguma ao mundo. Continuas sendo Pedra, mas mutilada e iludida, não serves como pedra...nem como árvore. Serves apenas como um assento, como um degrau, ficando sempre por baixo e sujeito aos caprichos daqueles legisladores “sensíveis à causa”.

E tu Árvore, sendo árvore, poderias render bons frutos, com teus galhos e folhas conceder sombra e frescor que só uma árvore pode dar. Teus frutos seriam os mais doces. Teus galhos os mais firmes, tuas folhas as mais verdes. Teu tronco forte, firme, robusto, com raízes profundas, viverias por séculos. Que és agora? Não serves nem para cadeira. Galhos cortados, tronco ressequido, quebradiço. O que te sustenta? Essa carcaça cinzenta que te cerca e aprisiona.
Não podes dar fruto, nem podes formar uma coluna. Continuas sendo Árvore, mas iludida e mutilada, não serves como árvore...nem como pedra. Serves apenas como um adorno, como um degrau, ficando sempre por baixo e sujeito aos caprichos daqueles legisladores “sensíveis à causa”.

Pobre Árvore... Pobre Pedra...


Volante CBPE
Carecas do Brasil – Pernambuco
Recife, Janeiro – 2014

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